Áudios detalham recompra de Rolex. Itens de luxo não foram periciados
Em 11 de março de 2023, o advogado Frederick Wassef, que representa o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), embarcou para os Estados Unidos com uma missão: resgatar o Rolex de ouro branco cravejado de diamantes que havia sido dado de presente para o ex-chefe do Executivo em viagem à Arábia Saudita e, posteriormente, vendido por seus aliados. A partir de conversas registradas no celular de Wassef – aparelho que foi apreendido na Operação Lucas 12:2 – a Polícia Federal conseguiu reconstituir os passos do advogado nos EUA.
O relatório da análise do celular de Wassef foi apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF), na última sexta-feira, junto com o relatório final da PF sobre o inquérito das joias sauditas – caso revelado pelo Estadão no ano passado. O sigilo do inquérito foi retirado anteontem pelo ministro Alexandre de Moraes.
As informações revelam passagens insólitas de Wassef, incluindo conversa com um certo “Harry Potter”, um encontro com um dos ajudantes do ex-presidente em uma loja de armas e um episódio em que o advogado se escondeu atrás de um poste para fugir de “fãs” de Bolsonaro.
Os investigadores apontam que o ex-presidente e 11 aliados, incluindo Wassef, integraram uma suposta associação criminosa que vendeu presentes dados ao ex-chefe do Executivo em razão de seu cargo. Indiciado, Wassef foi enquadrado por lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Itens como uma escultura dourada em formato de barco e outra representando uma palmeira, além de um relógio da marca Patek Philippe, parte do suposto esquema de venda de presentes de luxo, não foram somados ao cálculo da PF dos R$ 6,8 milhões desviados da União. Os objetos ainda não foram recuperados. Anéis, rosários e abotoaduras que foram devolvidos também não entraram na soma, mas porque ainda aguardam perícia para avaliação de quanto valem. Segundo a PF, o ex-presidente “subtraiu diretamente” os objetos, sem que tivessem passado pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência, tramite padrão para joias e presentes de alto valor recebidos pelos chefes de Estado brasileiros.
As esculturas douradas em formato de um barco e de uma palmeira foram presenteadas ao ex-presidente em novembro de 2021, em viagem aos Emirados Árabes Unidos e ao Reino do Bahrein. O relatório aponta que os itens foram “escamoteados” (levados escondidos) para os Estados Unidos, no avião presidencial. “Por meio de interpostas pessoas, o grupo investigado tentou vender as esculturas em lojas especializadas na cidade de Miami, mas, como não eram constituídas por ouro maciço, conforme pensavam os investigados, não obtiveram êxito”, indicou a PF.
ROLEX
A partir da troca de mensagens de Wassef, a PF conseguiu rastrear seus encontros durante os 18 dias em que o advogado passou pelos Estados Unidos com o objetivo principal de resgatar o Rolex cravejado de diamantes.
A operação de resgate foi planejada após o Tribunal de Contas da União (TCU) determinar que Bolsonaro entregasse os mimos que havia recebido de autoridades estrangeiras. Segundo a PF, Wassef embarcou de Campinas para a Flórida em 11 de março de 2023. Sua namorada, Thaís Moura, ex-assessora especial da Secretaria de Assuntos Parlamentares da Presidência da República, o acompanhou.
O casal só retornou ao Brasil no dia 29 daquele mês. As passagens custaram R$ 27 mil, fora uma taxa de remarcação do voo de retorno, que custou mais R$ 10 mil. No dia 14, Wassef pegou outro voo, para a Filadélfia, para recomprar o Rolex. Naquele dia, o advogado conversou com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, e com aliados do pai, como o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e o ex-ajudante de ordens da Presidência, tenente-coronel Mauro Cid, que virou delator.
MENSAGEM
Segundo o relatório de 2.041 páginas da PF, Flávio mandou uma mensagem para Wassef às 9h53 daquele dia, mas apagou o texto. Em seguida, disse que estava com “saudade” do advogado, que respondeu: “Estou na luta por vcs com lealdade e empenho de sempre”.
No fim da tarde, o advogado recomprou o Rolex – Day-Date por US$ 49 mil, em espécie, na loja Precision Watches, localizada a 40 km do aeroporto da Filadélfia. O relógio havia sido vendido por US$ 68 mil, junto de outro, marca Patek Philippe, que não foi recuperado. Ainda no dia 14, após o resgate do Rolex, Wassef conversou com Bolsonaro.
Durante a estadia nos Estados Unidos, o advogado fez várias viagens pelo país. Conversou constantemente com Bolsonaro, que lhe enviou até a localização de onde estava hospedado na Flórida
O advogado falava com frequência com a namorada, que o chama de “Bambi”. No dia 20 de março de 2023, Thaís o cobrou para que conversasse com “Harry Potter” – a PF suspeita que este pode ser o apelido do advogado Caio Rocha, que comprou a passagem de Wassef para os EUA.
ENCONTROS
Na sequência, Thaís chamou o namorado para irem até uma loja de armas/estande de tiros em Orlando, para um encontro com “Marcelo” – segundo os investigadores, seria Marcelo Costa Câmara, coronel do Exército, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. A defesa de Wassef contesta a PF. Diz que Marcelo é um empresário de São Paulo e nega que ele tenha qualquer relacionamento com Marcelo Câmara. Dias depois, Wassef se encontrou com Bolsonaro duas vezes.
Em 29 de março, enfim, Wassef retornou com o Rolex para o Brasil No dia 2 de abril, ele se encontrou com Mauro Cid em São Paulo, momento em que a posse do relógio passou para o tenente-coronel. O ex-ajudante de ordens viajou para Brasília no mesmo dia e entregou o relógio para Osmar Crivelatti, ex-assessor de Bolsonaro. O conjunto foi devolvido ao Tesouro no dia 4 daquele mês, em uma agência da Caixa.
Fonte: Estadão Conteúdo