Começa a hora decisiva da eleição
O presidente Jair Bolsonaro, na convenção do PL, falou para a sua base, mas tem tentado lançar pontes para o grupo de pessoas que depende de benefícios do Estado. Ao mesmo tempo, Bolsonaro sequestrou a data nacional de 7 de setembro, na qual vamos comemorar 200 anos de independência. Ao convocar o seu grupo para ocupar as ruas, está afastando o resto do país e mais uma vez mostrando que governa apenas para a sua facção. Nunca um presidente chegou tão fraco a 68 dias das eleições, nunca houve um presidente tão sem limites no uso da máquina para se manter no poder.
Uma pesquisa recente, não divulgada, de segmentação do eleitorado, mostrou que no Brasil 32% das pessoas concordam com a agenda de Jair Bolsonaro. Identificam-se como conservadores, são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, são a favor de andar armado e não confiam na urna eletrônica. Outro grupo, em torno de 39%, pensa o oposto. Eles confiam nas urnas, são liberais na agenda de costumes e são contra as armas. Há mais conservadores no Brasil do que muitos imaginavam, mas não são o maior grupo. Foi para eles que Jair Bolsonaro quis falar na convenção. O grupo é uma boa base, mas não é suficiente para garantir a reeleição.
Nem todos dessa fatia do eleitorado, apesar da identidade com sua agenda, votam em Bolsonaro. Mas no lançamento da candidatura ele tentou garantir o voto dos aderentes à agenda conservadora. Por isso, voltou a alimentar os fantasmas que assustam as famílias tradicionais, de que seus filhos estariam em perigo de cooptação sexual nas escolas, caso ele não ganhe a eleição. Bolsonaro chama isso de ideologia de gênero.
O uso da religião chegou ao extremo no discurso de Michele Bolsonaro. Ela voltou a repetir que seu marido é um “escolhido de Deus” e que a reeleição não é pelo poder, é “para o propósito de libertação” do Brasil. A explícita manipulação da fé das pessoas se soma ao sequestro dos símbolos e datas nacionais. Bolsonaro convocou seus seguidores para sair às ruas no dia 7 de setembro e desta forma impõe ao país a impossibilidade de uma comemoração plural do bicentenário da independência.
O maior grupo dessa pesquisa de segmentação do eleitorado tem mais aderência à pauta progressista nos costumes e nele a maioria absoluta vota em Lula. Mas nem todos são exatamente lulistas. Uma parte desse grupo gostaria que houvesse outra opção, mas, não havendo, ficará com Lula. Por isso, Bolsonaro ataca alguns erros de Lula, como o de “controle da mídia”. Foi o que ele fez no lançamento da candidatura. Assim, aproveita um erro do adversário para sensibilizar o grupo não lulista que está com Lula. Bolsonaro disse que isso significaria censura à imprensa, mas foi além. Dirigindo-se aos jovens, disse que a vitória de Lula significaria o controle também das mídias sociais.
Bolsonaro, como sempre, mentiu e enganou em seu discurso. Atribuiu ao seu governo, por exemplo, o crescimento das fontes de energia limpa. Ele, na verdade, até tentou tirar os incentivos à energia solar fotovoltaica, mas foi impedido de fazê-lo por forte oposição do país. Tentou surfar no vento da eólica como se não fosse uma ampliação que já vem acontecendo há muitos anos no Brasil e cujo principal mérito é da própria indústria.
Bolsonaro lançou pontes para além da sua bolha ideológica. Há um grupo, nessa segmentação do eleitorado, que precisa do Estado, seja em benefícios sociais, seja em oferta de emprego público. Representa 29%. E está majoritariamente com Lula porque tem o recall. Em pesquisas qualitativas, brotam as memórias do “tempo do Lula”, em que várias conquistas familiares aconteceram e havia uma sensação de viver e comer melhor.
Para capturar votos nesse grupo é que Bolsonaro lançou o aumento do Auxílio Brasil e, na convenção, se comprometeu a manter os R$ 600. Isso significa sair de um gasto de R$ 90 bilhões para R$ 145 bilhões. Com esse movimento, ele quer acabar com a crítica de que é eleitoreiro.
Bolsonaro ainda pode crescer, e Lula pode cair um pouco, mas, na visão de um grande especialista em pesquisas de opinião, “por mais que um caia, ainda tem muito voto, por mais que o outro suba, ainda é pouco para ganhar. Um tem piso para cair, outro tem teto para subir”. Agora é o momento decisivo para todos os candidatos. Pedras ainda se movem no tabuleiro. (Por Mirian Leitão – O Globo)