Faculdade no Rio dá palestras a alunos sobre como agir durante tiroteios
A disputa de território entre traficantes e milicianos no Morro do Fubá, em Campinho, na Zona Norte do Rio, tem afetado de tal forma a rotina de alunos e funcionários da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques que virou tema de palestra. Por causa dos tiroteios constantes — que se intensificaram em julho deste ano —, a instituição, que fica no bairro vizinho de Cascadura, se viu obrigada a suspender aulas das faculdades e do ensino básico em diversas ocasiões, além de voltar ao ensino remoto para a parte teórica dos cursos. A violência na área chegou a tal ponto que a direção da Souza Marques, responsável por um dos principais cursos de Medicina do Rio, decidiu contratar uma profissional de segurança pública para orientar a comunidade acadêmica sobre como agir em situações de risco.
— Logo que começaram a ocorrer tiroteios mais intensos, a partir do segundo semestre deste ano, nós procuramos ajuda dessa palestrante para nos orientar sobre o que fazer diante desses conflitos. Fizemos em duas ocasiões no mês de agosto, em dois turnos, para atender todos os departamentos, e devemos fazer outras futuramente — explicou Leopoldina de Souza Marques, presidente da fundação.
Os alunos que participaram das palestras se comprometeram em ir de sala em sala, repassando o conteúdo aos colegas que não estiveram presentes. Uma das orientações da major da PM convidada pela fundação para ministrar as palestras — a Souza Marques não divulgou o nome da oficial — aborda como se comportar durante uma aula em caso de tiroteio: a policial recomendou que todos os alunos permaneçam sentados no centro da sala, já que há ângulo, a partir do morro, para que um tiro atinja as janelas ou a parede do corredor.
Em corredores ou outras partes do prédio, alunos, professores e funcionários devem procurar abrigo atrás de estruturas com materiais que resistam a tiros, como paredes de concreto, paredes de tijolo revestida externamente com concreto e madeira maciça. A orientação é não buscar proteção atrás de portas. Na palestra, os universitários também aprendem quais são as principais armas e calibres usados pelos bandidos.
Deitar e rastejar
Se o aluno estiver num espaço aberto, a orientação é se abaixar ao máximo e, se possível, deitar e rastejar até um abrigo. A palestrante destacou que as partes mais importantes do corpo estão no nível da cintura para cima e, ao se abaixar, há uma redução da exposição dessas estruturas vitais, principalmente da cabeça.
Na rua, o abrigo pode ser atrás de árvores com tronco grosso, caçambas de lixo e carros estacionados (de preferência na lateral dianteira do carro, onde está o motor, e com as pernas atrás do eixo da roda).
Na palestra também é explicado que a Souza Marques está numa das extremidades do Maciço da Tijuca, que liga a favela da Rocinha, a estrada Grajaú-Jacarepaguá e comunidades do Méier, da Tijuca e de bairros vizinhos. Por esse motivo, a área se tornou estratégica para os criminosos, pois permite que deslocamentos pela mata até outras favelas.
O Morro do Fubá era chefiado pela milícia comandada por Leonardo Luccas Pereira, o Leleo ou Teco. Em janeiro, o local foi invadido por traficantes do bando de Rafael Cardoso do Valle, o Baby, do Morro do Dezoito, depois que os milicianos foram traídos por um ex-integrante. Atualmente, os traficantes dominam a parte alta da comunidade, e os paramilitares, a parte baixa.
De acordo com a Polícia Militar, desde junho há intensos tiroteios na área: “Desde o início dos confrontos, equipes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) foram direcionadas para estabilizar a região”. A corporação informou que “o policiamento ostensivo do 9º BPM (Rocha Miranda) também reforça a segurança em todo o bairro de Cascadura”.
Confrontos quase diários
Em julho, um tiro atingiu o prédio da instituição. Uma aluna fotografou a janela quebrada pelo disparo e divulgou nas redes sociais. Na manhã de 19 de setembro, durante um confronto, bandidos — um deles, baleado — invadiram o antigo Tribunal de Justiça em Campinho, a menos de 300 metros da Souza Marques. As aulas foram suspensas na faculdade. No último dia 30, houve mais um tiroteio e, novamente, a faculdade parou de funcionar. Cinco dias depois, outro conflito assustou alunos e funcionários.
Segundo uma estudante, que preferiu não se identificar, as trocas de tiros entre os bandidos ficaram mais frequentes a partir do último mês.
— Ficou mais intenso em setembro. Antes, era esporádico. Quando tem algum tiroteio, nossas aulas teóricas presenciais passam a ser on-line. Nos últimos 15 dias, os conflitos têm sido quase diários, e estamos em aula on-line desde então — disse a estudante do 4º ano de Medicina.
Outra aluna de Medicina, que vivenciou um tiroteio durante uma aula de Semiologia, relatou momentos de tensão entre alunos e professores.
— O barulho era muito alto. Da lanchonete, dava para ver os bandidos passando bem perto, armados. Os alunos saíram do prédio principal e foram para outro, mais baixo. Ficamos abaixados longe de janelas. Alguns tiroteios são pela manhã, outros ocorrem à tarde ou mesmo o dia todo. Nesse dia, o conflito durou o dia inteiro e, quando deu uma trégua, todo mundo foi embora.
A diretoria da Souza Marques tem feito reuniões com alunos e pais sobre a segurança dentro da instituição. A última aconteceu na segunda-feira passada, e um novo encontro foi convocado para a próxima segunda. Ficou definido que as aulas práticas serão concentradas em uma vez por semana e mantidas em formato presencial, enquanto as aulas teóricas permanecerão remotas. No próximo dia 21, a direção deve apresentar à comunidade acadêmica alternativas para o ano de 2023.
Em 23 de setembro, a Souza Marques divulgou uma carta aberta à sociedade, afirmando que “tem atuado sempre com responsabilidade e agilidade, recorrendo ao apoio das autoridades locais e tomando medidas preventivas em menos de 24 horas para preservar a integridade física de nossa comunidade acadêmica”. A faculdade informou que estuda propostas feitas pelo seu diretório acadêmico para melhorar a segurança, entre elas a instalação de anteparos para reforço da segurança das janelas contra projéteis.
Por Folha de Pernambuco