Hanseníase no Recife: novos casos em queda, mas abandono de 12% do tratamento ainda preocupa
O Brasil continua a enfrentar um grave desafio no combate à hanseníase. Em 2024, foram registrados 19.469 novos casos da doença em todo o território nacional, o que coloca o País na segunda posição mundial em incidência, atrás apenas da Índia, com uma taxa de 10,68 casos por 100 mil habitantes – classificado como de alta endemicidade.
A situação é ainda mais crítica na região Nordeste, que concentra 7.636 desses casos, destacando-se como a área mais afetada do País. Capital de Pernambuco, a cidade do Recife, apesar de registrar queda em 2024, ainda é o segundo município com mais novos casos no Estado – o primeiro é Petrolina, no Sertão. A capital ainda enfrenta um importante índice: cerca de 12% dos pacientes abandonam o tratamento.
A hanseníase, antigamente conhecida como lepra, é uma doença crônica e infecciosa que afeta principalmente a pele, os nervos periféricos, os olhos e o nariz.
Entre os sintomas mais comuns, estão manchas claras ou avermelhadas na pele, perda de sensibilidade, dormência e fraqueza nas mãos e nos pés. Se não tratada adequadamente, a doença pode levar a deformidades físicas e incapacidades permanentes.
O tratamento da hanseníase é gratuito e oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ele consiste no uso de antibióticos por um período que varia de seis meses a um ano, dependendo da forma da doença. Um dado importante é que, a partir da primeira dose da medicação, o paciente deixa de transmitir a bactéria, o que reforça a importância do diagnóstico precoce e da adesão ao tratamento.
Apesar dos avanços no controle da doença, o preconceito ainda é um obstáculo significativo. Muitas pessoas associam a hanseníase a estigmas históricos, o que pode levar ao isolamento social dos pacientes e ao atraso na busca por tratamento.
Combater a desinformação e promover a conscientização são passos essenciais para mudar essa realidade. Por essa razão, o Ministério da Saúde, promove anualmente a campanha Janeiro Roxo, a fim de promover conhecimento e prevenção à hanseníase.
Hanseníase no Recife
A situação na cidade do Recife exige atenção redobrada. Apesar da queda em relação aos anos anteriores, a cidade registrou 249 casos em 2024, equivalente a 16,25% do total no estado.
Entretanto, o estigma que cerca a doença pode levar pacientes a não procurar uma unidade de saúde para receber o diagnóstico e tratamento adequados.
“Nós entendemos que existe muita gente adoecida na comunidade, mas a hanseníase é uma doença que, infelizmente, ainda é cercada de preconceito e muitas pessoas não procuram atendimento”, explica a enfermeira Sâmmea Grangeiro, coordenadora de hanseníase do Recife.
“Além disso, o próprio tipo da doença faz com que as pessoas não procurem. Ela apresenta uma mancha que não incomoda, não coça, não dói, não arde… Ela não incomoda o paciente, então ele realmente não se preocupa, por isso ainda temos uma procura baixa por demanda espontânea em relação ao diagnóstico da hanseníase”, completa.
Como a cidade está combatendo a hanseníase?
O Recife tem adotado diversas estratégias para reduzir os casos de hanseníase e melhorar a adesão ao tratamento. Uma das principais iniciativas é a busca ativa, em que equipes de saúde vão até as comunidades para identificar possíveis casos.
“No Janeiro Roxo intensificamos o trabalho, mas ao longo do ano também desenvolvemos atividades de educação e capacitações. Não só para médicos e enfermeiros, mas trabalhamos também para outros setores da Secretaria de Saúde, como farmácia e academia da cidade”, explica Sâmmea.
Além disso, a Secretaria de Saúde promove capacitações para profissionais da rede básica, garantindo que médicos e enfermeiros estejam preparados para identificar e tratar a doença.
“Todas as unidades de saúde do Recife estão aptas a receber pacientes com suspeita de hanseníase. Se houver dúvidas no diagnóstico, encaminhamos para a rede secundária, onde dermatologistas especializados podem confirmar o caso”, detalha.
Outro foco é reduzir o abandono do tratamento, que atualmente gira em torno de 12%. Para isso, as equipes de saúde realizam acompanhamento constante dos pacientes, oferecendo suporte e esclarecendo dúvidas sobre os efeitos colaterais da medicação.
“O tratamento é longo, mas tem cura. Nosso papel é garantir que o paciente entenda isso e se sinta apoiado durante todo o processo”, reforça a coordenadora.
No Recife, os números vêm apresentando uma tendência de queda nos últimos anos. Em 2021, foram registrados 326 casos, passando para 330 em 2022, 286 em 2023 e 249 em 2024.
Apesar da redução, o município ainda enfrenta desafios como o diagnóstico tardio e o abandono do tratamento, o que compromete o controle da doença.
Em Pernambuco, o abandono do tratamento cresceu nos últimos anos, levando o Estado a ser classificado de “bom”, em 2014, para “regular”, em 2023, nesse indicador, de acordo com o boletim epidemiológico publicado pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde.
Outro ponto de atenção é a qualidade das informações registradas no sistema de notificação de hanseníase. Pernambuco apresenta um dos piores índices de preenchimento da variável escolaridade dos pacientes, apenas 62,9%, o que dificulta o planejamento de estratégias educacionais e de adesão ao tratamento.
Além disso, o exame de contatos, essencial para identificar novos casos precocemente, ainda não atinge cobertura ideal no estado
Apesar da redução no número de casos, os desafios no controle da hanseníase ainda são significativos. O aumento do abandono do tratamento, somado às falhas na notificação e no acompanhamento dos pacientes, compromete os esforços para a eliminação da doença.
Por semelhante modo, a persistência do estigma dificulta a busca por diagnóstico precoce, permitindo que a doença continue a se propagar silenciosamente.
Fonte: JC