Para acolher Centrão e ampliar base de apoio, Lula anuncia 38º ministério
Esplanada dos Ministérios, conjunto criado por Oscar Niemeyer no projeto de Brasília, incluiu 17 prédios iguais, desenhados para abrigar os órgãos de governo. Se fosse projetar a cidade hoje, talvez o arquiteto pensasse em fazer duas esplanadas – e, mesmo assim, faltaria prédio para tanto ministério. Com a criação da pasta da Micro e Pequena Empresa, anunciada ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a administração atual chegará a 38 ministérios, bem perto do recorde de 39 atingido pela gestão de Dilma Rousseff (PT). Por trás do inchaço da Esplanada está a necessidade de ampliar o número de rubricas orçamentárias à disposição de partidos aliados, para angariar votos nas Casas Legislativas e facilitar a aprovação de pautas de interesse do governo.
No momento, o nome mais cotado para a nova pasta é o do ex-governador Márcio França (PSB), atualmente ministro de Portos e Aeroportos. Nessa hipótese, para o seu lugar iria o deputado Silvio Costa Filho (PE), do Republicanos, um dos partidos que o governo tenta atrair.
Há pelo menos um mês já está certo que Costa Filho – chamado de Silvinho nos bastidores – e o também deputado André Fufuca (PP-MA) serão ministros, como forma de ampliar a presença do Centrão na Esplanada. Falta definir quais pastas eles comandarão. Assim, a criação de mais uma ministério deve ajudar a destravar a reforma do governo. A nova pasta não necessariamente vai interessar ao grupo, mas possibilitará a Lula remanejar um aliado e abrir espaço em um ministério mais poderoso.
Líder do PP, Fufuca é ligado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), e ao senador Ciro Nogueira (PI). Este último foi ministro da Casa Civil no governo de Jair Bolsonaro (PL) e é adversário de Wellington Dias (PT) – o atual titular do Desenvolvimento Social – no Estado de origem de ambos, o Piauí. Ciro Nogueira preside o PP, critica Lula nas redes sociais e terá apadrinhados políticos no governo, mas diz não querer cargos.
Aliada de Ciro Nogueira e de Lira, a ex-deputada Margarete Coelho será a nova presidente da Caixa Econômica Federal. Ela vai ocupar o lugar de Rita Serrano. A mudança deve ser seguida de trocas no comando das vice-presidências do banco para abrigar PP e Republicanos, as duas legendas que o governo tem interesse em atrair para a base aliada. Atualmente, Margarete é diretora de Administração e Finanças do Sebrae.
Bolsa Família
A configuração traçada até o momento prevê deixar Wellington Dias no comando do Desenvolvimento Social com o Bolsa Família – marca registrada do PT – e também com o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Nesse desenho, Fufuca ficaria com Ação Social, um ministério turbinado por emendas parlamentares.
O plano desagrada ao PT, mas enche os olhos do Centrão, às vésperas de um ano de eleições municipais. Motivo: a nova pasta abrigaria as chamadas emendas de transferência especial, que vão diretamente para o caixa das prefeituras. O dispositivo foi batizado por técnicos do Orçamento de “emenda Pix” ou “cheque em branco” por causa da dificuldade em rastrear a finalidade dos recursos.
“Com tudo isso, é no mínimo estranho, no meio da reforma ministerial, que setores do Congresso avancem para criar uma pauta-bomba”, disse o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), numa referência ao projeto do Centrão de ampliar as desonerações da folha de pagamento para todos os municípios. O impacto previsto para os cofres públicos é de R$ 14 bilhões.
Apoio interno
Em reunião do Diretório Nacional do PT realizada nesta segunda, 28, Wellington Dias fez um balanço de sua gestão e disse que no governo Bolsonaro a fome aumentou nas grandes cidades. Ex-governador do Piauí, o ministro acompanhará Lula na viagem ao Estado, amanhã, para o lançamento do programa Brasil Sem Fome. No encontro partidário, ele recebeu a solidariedade de deputados e senadores petistas, que criticaram a ideia de dividir o ministério para entregar uma fatia ao Centrão.
“Nós hipotecamos apoio e solidariedade ao Wellington”, afirmou o deputado Jilmar Tatto (SP), secretário de Comunicação do PT. “Nós não nos recusamos a contribuir com a governabilidade, mas o Desenvolvimento Social e a Saúde não são para negociar.”
Na prática, dirigentes do PT não acham que Dias esteja tão bem assim no comando da pasta, mas não querem perder espaço na Esplanada e já se queixaram com Lula. Argumentaram que tirar ações do guarda-chuva do Desenvolvimento Social significa dar aos candidatos do Centrão um poderoso trunfo para as eleições às prefeituras, em 2024.
Equilíbrio
Para o cientista político Eduardo Grin, professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, a criação de um ministério surge de forma estratégica para Lula se equilibrar entre manter aliados, mulheres e representantes negros e indígenas no governo, ao mesmo tempo que possibilita abrir espaço para os partidos do Centrão, como é o caso de Republicanos e PP.
Nesse sentido, é emblemática a substituição de Rita Serrano, funcionária de carreira da Caixa, pela ex-deputada Margarete Coelho. Inicialmente, o PP havia indicado para o posto o advogado Gilberto Occhi. Ex-ministro (Cidades e Integração Nacional na gestão de Dilma Rousseff e Saúde na administração de Michel Temer), ele presidiu a Caixa entre 2016 e 2018, sob a presidência de Temer. No entanto, pessoas próximas a Lula têm feito pressão para que o posto não deixe de ser ocupado por uma mulher.
Outros ministérios comandados por mulheres estão na mira da reforma. A pressão é mais forte sobre as pastas da Saúde (chefiada por Nísia Trindade) e Esporte (com Ana Moser). A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, afirmou que as ministras do governo Lula são “atacadas todos os dias” para que as pastas que comandam sejam dadas a homens.
‘Povo trabalhador’
Enquanto tenta agradar aos congressistas com a reforma ministerial, Lula disse na sua live de ontem que a maioria deles não representa o “povo trabalhador”. “A maioria dos deputados são pessoas que pertencem a uma classe média alta. Quando chega um projeto para votar, muitas vezes não votam de acordo com os interesses da maioria do povo. Eles votam a favor dos interesses daquela sociedade que eles vivem no meio”, afirmou o presidente.
De acordo com Lula, quando o eleitor vota “de forma estabanada”, “planta vento e colhe tempestade”. Lula fez a declaração no programa “Conversa com o Presidente”, no qual anunciou a criação do ministério.
Fonte: ESTADAO CONTEUDO